[Resenha] "Eu não sei lidar": Um livro para entender a Fresno e a si mesmo
Lucas Silveira, vocalista da Fresno, explica sua poesia de maneira esplêndida em seu livro "Eu Não Sei Lidar"
As pessoas sempre me perguntam "Mas porque você gosta de Fresno?" e eu nunca soube exatamente responder o motivo dessa admiração, só virava os olhos e perguntava "Você alguma vez já ouviu pelo menos uma música inteira para dizer que não gosta?", a pessoa se calava e fim.
Mas por esses tempos, ando me perguntando com bastante frequência do porquê das coisas (dizer isso parece até coisa de criança haha) e essa pergunta voltou a surgir. Resolvi ouvir novamente todas as músicas, do princípio do nascimento da Fresno para o mundo até as músicas mais recentes. O crescimento, a reinvenção é nítida. Era isso que me fazia gostar da banda: essa ideia de nunca estar parado, de sempre mudar.
Foi somente quando adquiri e li "Eu Não Sei Lidar", livro de autoria de Lucas Silveira que uma coisa me assustou: eu gostava do todo, mas nunca havia parado muito tempo para pensar em cada estrofe das letras. É claro que "O que ele quis dizer com isso?", "Qual o motivo para isso?", "Mas isso não faz sentido, faz?" são perguntas que sempre me fiz. Entrentanto, parava um tempo e já me desviava para outro assunto.
Talvez, por esse motivo eu tenha devorado o livro e ficado horas indo e voltando suas páginas. Li tudo em UM dia. E absorvi tudo em pelo menos três.
"Eu Não Sei Lidar" é uma autobiografia que sempre esteve lá, esperando para ser entendida em cada palavra bem escolhida das letras das músicas. Sério, muito bem escolhidas. E nem posso dizer que estava tudo tão camuflado assim, não estava. Ouso dizer que Lucas escolheu as letras que explicaria de maneira que a trajetória da banda percorresse por toda a sua história de maneira a se entender o amadurecimento dele e, consequentemente, da banda. Ali se tem certeza que Lucas e Fresno são uma unidade.
Além de tudo isso... A gente consegue se ver em cada estrofe... Vou dar alguns exemplos...
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EXEMPLO 1:
Há uma música que nunca tive muita afinidade e um dos motivos era o nome extenso dela: "Cada Poça Dessa Rua Tem Um Pouco de Minhas Lágrimas". Ufa. Outro motivo era essa parte em especial:
E em cada dia da sua vida você vai chorar
Lágrimas sofridas que não vão somar
Um décimo do que eu sofri
O quanto eu sofri
Confira a letra e a música completas, aqui: https://letras.mus.br/fresno/336801/
Ao meu ver, me parece que há uma certa vontade por parte do locutor que a outra pessoa sofra, essa ideia de desejar o mal a outra pessoa me incomoda.
E então, pela explicação a gente entende que: 1) imagine chorar na chuva, as lágrimas não se espalham para todos os lados? Do seu rosto, a lágrima se mistura com a água da chuva que vai para a rua, depois para o esgoto, para o rio, para a estação de tratamento, etc... não é? Então, é claro que cada poça vai ter um pouco das suas lágrimas e; 2) Depois de ser traído, você não se sente triste e, mesmo que não queira, sem perceber, acaba por desejar que a pessoa que te traiu sinta a mesma dor que você? Que o mundo dê o troco? Pois então, a estrofe está aí...
EXEMPLO 2:
Outra música é a "O Resto é Nada Mais", uma das minhas músicas preferidas e aquela que possui a estrofe que dá nome ao livro. Confesso que essa é uma das letras mais únicas e que advém de uma história específica e não contarei por inteiro, ok?
O início da música pode causar um certo desconforto:
Eu sonhei que o mar me engolia, me tirava o ar
Experimentei uma paz
De ver que eu não iria mais voltar
É desconfortável, pois existe uma ideia de alívio ao não mais estar vivo (talvez venha de frases melancólicas como essa que há falta de compreensão das pessoas que acabam por julgar a banda como emo). O objetivo de Lucas foi retratar um sonho que ocorre com frequência e o retrato de algo desconhecido, a morte, é uma tentativa de comparar com os sentimentos que não soube descrever em termos mais comuns. Ou seja, pelo motivo de morrer ser algo desconhecido, não compreender os sentimentos, desconhecê-los é como morrer.
Além disso, ao longo da música percebe-se a constante solidão. Mas essa solidão começa a "incomodar" (colocarei dessa forma) o que o faz almejar ter alguém para compartilhar. Há uma necessidade de encontrar aquele alguém. Por isso a necessidade de mudar, de deixar de ser errante, de não andar... E então, a pergunta que se faz presente pelo menos alguma vez em nossa vida:
Será que há alguém pra me ouvir e me fazer mudar?
Será que há alguém por aí?Confira a letra e a música completas, aqui: https://letras.mus.br/fresno/o-resto-e-nada-mais-o-sonho-de-um-visconde/
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Há só mais um ponto que eu queria comentar: a independência para a Fresno é necessária. É discrepante o som da primeira independência (Quarto dos Livros, Ciano) e da segunda (Infinito, Eu Sou a Maré Viva) com o que foi realizado com produtor e empresário (Redenção e Revanche). Com o livro, a gente entende o quanto na época da gravadora eles eram podados, literalmente e também o quanto eram colocados de escanteio. Tinham de lutar para ter AQUELA música que "não tinha a cara da Fresno" no CD.
Acho isso bem improdutivo. Como se cria uma identidade dessa forma? Não é o mesmo que deixar tudo na mesmice? Muito mercado envolvido e já temos o bastante disso no Brasil.
Só mais uma coisa: um parabéns IMENSO ao Lucas Silveira e a Fresno!
Segue algumas músicas que acho surpreendentes, espero que gostem:
Manifesto - Parceria com Lenine e Emicida: https://letras.mus.br/fresno/manifesto/
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